Memorial artista Gloria Seddon

18/02/2010 00:00
Gloria Seddon 

Nascida na Argentina, em 13 de março de 1953, em Buenos Aires. Desde muito cedo freqüentei exposições e comecei a pintar ao lado dos meus pais, John Seddon e Georgina Renau, e meus tios, Eduardo Lozano e Billie Seddon. A casa familiar funcionava num esquema de open house, sendo freqüentada por artistas de diversos grupos: Grupo Espartaco como Mollari, Solari, Sánchez, Carpani, Cesano, que articulava arte com política; .Grupo “Nueva Figuración”, como Luis Felipe Noé e Alberto Deira, e o grupo Informalista, do qual faziam parte artistas como Kenneth Kemble, Silvia Torrás, Luis Alberto Wells, Pérez Celis e meu pai, além de independentes, como Raul Lara.

Esses artistas juntavam-se junto a escritores e poetas, como Ernesto Sábato, e discorriam sobre Filosofia, principalmente sobre o existencialismo de Jean Paul Sartre e a fenomenologia de Merleau Ponty, assim como também , sobre as últimas novidades de Psicanálise trazidas por Mary Langer, recém exilada de Europa e por Oscar Masotta, que vinha de freqüentar os Seminários de Lacan em Paris.

Em 1975 tive que abandonar o país, passando a residir no Rio de Janeiro. Enquanto aguardava a resposta das autoridades universitárias para a  transferência de estudos de Psicologia, realizei um Estágio durante o ano de 1975, no Setor de Internação Psiquiátrica do Hospital Pedro Ernesto, da UERJ, fazendo Trabalho de Arte com pacientes internados. Neste ano retomei a pintura, no atelier de Rubens Gerschmann.

Além de pintar, fazer batiks e macramê, desde 1977, fui Professora de Arte para crianças e adolescentes, junto a outros artistas como Ángela Freiberger, na Escolinha de Arte Girassol (1977-78). Enquanto realizava minha formação como psicanalista tomei aulas no Atelier de Arte da Maria Teresa Vieira. Nessa época pintei várias telas que considero seminais de tres linhas de trabalho e pensamento, que mais tarde vim a denominar: Série Mulheres; Série Eróticas, Série Psicanálise ( na época, chamada " Cabeça"). No segundo semestre de 1987, fui convidada para dar aulas no Curso de Especialização em Psicanálise da Universidade Santa Úrsula. Em minha Dissertação de Mestrado, “A Ética [e estética] da Erótica” no Brasil contemporâneo, acompanhei as mudanças no campo da erótica no Brasil, desde o início do século, no namoro tradicional, que denominei “amor cortês”, até as novas formas de namoro, que aconteciam na época, que denominei “corte de amor”. Na pintura essas questões teóricas tomavam forma estética: As pessoas  divididas, desorientadas, sem uma lei clara, da Série Cabeça; os Desencontros, na linha Erótica .

Faço parte desde 1991, da Escola Brasileira de Psicanálise, de cuja constituição tomei parte. De 1992 a 1994, realizei alguns trabalhos sobre papel em guache sobre o Atelier da Artista que deram lugar a uma nova série, a de “Cenas Urbanas”. Em 1995, de computador e programas novos, experimentei o novo dispositivo como instrumento artístico. Entre 1996 e 1997, a minha produção artística encontrou-se voltada para o meu novo lar - minha primeira casa própria, e no bairro de Laranjeiras, que lembra bastante meus bairros de infância em Buenos Aires: Caballito e Vicente López.

Em abril de 1998 defendi na PUC/RJ a Tese de Doutorado que constatava uma valorização do elemento feminino.   No segundo semestre de 1998, fui convidada para dar aulas no Curso de Especialização em Filosofia e Psicanálise na USU, sobre Lacan e Heiddeger e sobre a Ética contemporânea.

 No Encontro de Formação Permanente em 1998, apresentei a Conferência “Os desafios para o psicanalista nos dias de hoje: A quem chama Denise? e em 1999 ofereci um Curso eletivo sobre “Sujeito contemporâneo: Cinema e Psicanálise”, entre outros.
 

Cada vez mais interessada com os fenômenos que vinha de estudar na Psicanálise no campo da cultura, decidi, então, retomar meus estudos teóricos sobre Artes Visuais e tentar entender mais profundamente sobre Arte e Estética. Fui fazer um Curso de pintura com Luis Ernesto e Affonso Tostes na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, e comecei a expor meus trabalhos: no Consulado Argentino (1998), no ateliê em minha casa com uma Exposição Individual Retrospectiva (1999), no Centro Cultural da Universidade Santa Úrsula (1999). Participo de várias coletivas e algumas individuais entre 1999 e 2001. Em 2001, expus 33 pinturas da Serie Eróticas, na Sala Antônio Berni, do Consulado Argentino, e “Isto não é uma pintura”, junto ao grupo Nissei Bikoo-kai, no Museu Nacional de Belas Artes, em 2002.

Em 1999, participei de outros cursos sobre Artes: com Reinaldo Röels sobre História da Arte desde a Pré-História até a Arte Moderna, sobre Arte contemporânea com Paulo Sérgio Duarte, sobre Arte e Filosofia, com Fernando Cocchiarale e AnnaBela Geiger. No ano de 2001 ofereci o Curso Arte e Psicanálise no Curso de Especialização de Psicanálise da Santa Úrsula.

Em dezembro de 2002, junto com outros artistas cariocas, participo da construção do Fórum de Artes e Políticas, e também do Grupo Virtual e real “Artes & Políticas” Junto a esse grupo participei também da fundação do Bloco Carnavalesco de Artistas Visuais Vade Retro, no carnaval de 2003 com a performance “A Arte acabou, viva a Arte”. O bloco tem, desde então, desfile-de apresentação bienal.

 Por sugestão de Fernando Cocchiarale, em 2003 entro para o Curso de Especialização em História da Arte e da Arquitetura no Brasil e participo de uma pesquisa sobre pinturas do Museu Nacional de Belas Artes, sob a coordenação da Professora Anna Maria Rego Monteiro; em 2004 realizo uma performance produtiva da Exposição Posição 2004 na Escola de Artes Visuais do Parque Lage numa ação paralela à Exposição na qual, de óculos espelhados, realizo um vídeo filmando e entrevistando artistas, trabalhos, críticos e gestores de arte: artistas que expõem, artistas de gerações anteriores como Tunga e Ricardo Basbaum, professores da Escola de Artes Visuais do Parque Lage como Reynaldo Röels, João Magalhães, Charles Watson, e o diretor de Centro de Artes Visuais da FUNARTE, Xico Chaves, entre outros. Em outubro de 2004  trabalho como assistente de cenografia na peça “Kantan, a vida é sonho” Yukio Mishima cenografia de Alexandre Lambert, meu atual companheiro, apresentada no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro.

Sob a orientação de Fernando Cocchiarale , apresentei minha Monografia em maio de 2005, intitulada Arte para uma Subversão das Subjetividades. Mais uma reviravolta na arte contemporânea carioca, onde analiso a produção da última geração de artistas cariocas. O saber-fazer dos artistas questiona as redes de subjetividades existentes, produzindo no espectador uma mudança de olhar e de postura frente às mesmas. Poder-se-ia então falar de uma feminização na arte contemporânea carioca, no sentido de levar o espectador ao espetáculo do real, daquilo que produz horror, daquilo que não pode ser dito? Nessa época, realizei várias visitas ao ateliê de artistas e fiz filmagens de artistas cariocas contemporâneos, registrando o traalho deles, com o objetivo de realizar um filme-documentário sobre um panorama da arte contemporânea carioca do século XXI.

Em setembro de 2005 apresentei um trabalho de instalação em fotografia na Casa da Xiclet, São Paulo, intitulado Do Amor Cortês ao Corte de Amor. O trabalho discute as questões teóricas que eu vinha trabalhando, passando-as para a imagem, numa tradução realizada como em um quebra cabeça no qual as peças podem se deslocar; da paixão ou amor cortês, ao o amor ágape ou simples amor cotidiano, ao corte de amor, ou estado de separação. O trabalho consiste em três séries de fotografias para cada fase. Na fase da paixão, os amantes não vêm um ao outro, mas a própria imagem refletida no espelho; na fase do amor ágape ou do simples amor, os amantes se vêm através de um vidro embaçado, isto é, não possuem a verdade do outro, enxergam o outro, mas através das próprias fantasias; na fase de corte de amor ou de separação dos amantes, caem os últimos véus, e eles passam a ver o outro com todos os defeitos, como através de um vidro límpido. Em outubro de 2005 apresento também na Galeria da Xiclet de São Paulo,na I Bienal Mercusul, uma homenagem à Lygia Clark, como Mãe da arte contemporânea brasileira. Yo no creo en brujas pero que las hay, las hay ou Lygia Clark e a arte contemporânea brasileira.

O trabalho apresenta a idéia de que a arte contemporânea brasileira tem suas raízes na obra feminina da artista carioca Lygia Clark. Como diz Lisette Lagnado citando Louise Bourgeois, a Lygia Clark é a “matriarca de uma nova família de artistas que, em estados híbridos, se ocupa do enigmático mundo interno da sexualidade feminina”. O trabalho de Cildo Meireles, La Bruja, me fez pensar na idéia de Lygia como uma bruxa, produzindo uma geração de artistas que se aproximam daquilo que tem de horror no enigma feminino, horror que se condensa na figura da bruxa, como a mulher que faz feitiços, que cria, que tira véus, que brinca com a verdade.

Em janeiro de 2006 estive em Buenos Aires e entrei em contato com pessoas do Grupo Trama e com Túlio de Sagastizábal, do Fondo de las Artes, equivalente à FUNARTE. Estive vendo o trabalho que os artistas realizam em Buenos Aires.

Desde 2002 venho desenvolvendo a pesquisa “da autoclínica dos artistas a uma clínica psicanalítica poética” e, desde o ano de 2003 na PUC, através do Curso de Especialização, e desde 2008, através  do Doutorado em História Social da Cultura da PUC/RJ.

Na época atual  a arte contemporânea produz um discurso análogo ao do analista e, como ele, o artista vem tendo forte responsabilidade nas formas de contemporaneidade. .  É nesse sentido que a arte se apresenta como um caminho privilegiado para que o psicanalista apreenda com ela, tornando-se também ele, um "artista". Nesse sentido, o caminho do analisando também é o de uma produção artística de si mesmo.                      

Escrevi nesse período artigos críticos sobre arte apresentados no Congresso Latino-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise em 2005 e publicados de forma digital: “A lógica poética de Joseph Beuys ou como reencontrar o própio destino através da arte”, e “Diálogos entre Arte e Psicanálise. Arte Contemporânea Brasileira e a Subversão das Subjetividades”. Um artigo sobre Márcio Botner e Pedro Agilson, aguarda a publicação num livro sobre o I Colóquio Internacional Psicanálise e Arte, realizado em 2007; um trabalho sobre a história da arte de Aby Warburg, está para ser publicado nos Anais do Congresso sobre Arte de Campinas, assim como o trabalho “Estética ética da ultramodernidade: viagem do Homem Espelho ao antes da imagem Rainha”, nos Anais das Jornadas Clínicas: Objetos soletrados no corpo, em 2007.

O fazer dos artistas, em geral constitui em si uma produção de novos valores, uma poiesis. Estas questões tomam forma matérica na minha nova série “Psicanálise” realizada durante o ano de 2009.